Patti Smith: A poetisa do Rock’n’Roll

Por Communicare

“A perfeita união entre música popular e literatura” – Bob Dylan sobre Patti Smith 

Por Vivian Menegucci

Patti no apartamento do fotógrafo Judy Linn, seu amigo, em 1969

Foto: Reprodução Rolling Stone

Patti Smith é uma poetisa, cantora, fotógrafa, escritora, compositora e musicista norte-americana nascida em 1946 em Chicago. Como narrado em sua primeira obra e autobiografia “Só Garotos” (2010), seu fluxo de consciência imaginativo começou a se formar quando ela ainda era criança e as orações infantis não mais condizem com o barulho constante de suas palavras e pensamentos. Assim, ela decide então criar suas próprias rezas. De oração em oração, ela passou a aprimorar seus níveis de consciência, passando horas em seu próprio pensamento. Com o tempo, Patti criou uma aptidão por livros que se equivalia a das orações. Ali ela se encontrou.

Patti compartilha em um dos  trechos de “Só Garotos” que foi Louisa May Alcott quem a ofereceu uma visão positiva de seu destino feminino. Jo, a personagem principal dentre as quatro irmãs March em Mulherzinhas, deu coragem para que Patti encontrasse uma nova meta: escrever como ofício. Logo ela também estava criando pequenos contos e contando longas histórias para seus irmãos.  

Aos doze anos ficou cara a cara com a arte pela primeira vez,quando seu pai a levou à uma exposição do Museu de Arte da Filadélfia. Ao contemplar as  obras de Salvador Dalí e Picasso, ela se transformou. Saiu do museu sabendo que queria ser artista. “Tenho certeza de que, enquanto descíamos a grande escadaria, eu parecia ser a mesma de sempre, uma menina embasbacada de doze anos, toda braços e pernas. Mas secretamente eu sabia que havia sido transformada, comovida pela revelação de que os seres humanos criavam arte, de que ser artista era ver o que os outros não conseguiam ver.” menciona em seu livro.

Patti escrevia poesia, desenhava e dançava e mergulhou ainda mais nos livros e no Rock’n’Roll na adolescência, período em que não levou muito tempo para que arrumasse seu primeiro grande problema: a gravidez. Conta que aos 19 anos mal entendia que a intimidade da noite em que engravidou havia sido uma relação sexual. Depois de tantas noites mal dormidas, encontrou na adoção um futuro para ela e seu bebê. Seguidamente, sua vida seria contemplada com outros dilemas.

Sem perspectiva e inspiração, Patti buscou seguir um caminho que alimentasse sua alma artística e teve a decisão de ir para Nova York. Uma cidade diferente da que conhecemos atualmente, à beira da falência, a cidade estava em decadência. Apesar disso, a comunidade artística era proeminente e o movimento hippie e beatnick, movimento beat nos anos 50 e princípios dos anos 60 que subscreveram um estilo de vida antimaterialista, crescia cada vez mais nas ruas tomadas pela imundice. Foi nessa exótica Nova York que Patti Smith aos 20 anos decidiu viver, levando consigo um livro de Arthur Rimbaud, poeta francês que foi considerado um dos precursores da poesia moderna, na mochila juntamente com alguns sonhos e nenhum centavo. 

O início de sua jornada foi marcado por rondas em busca de alimento, noites mal dormidas em locais públicos e ao mesmo tempo um sentimento de liberdade, que era corriqueiramente mascarado pela fome. No cenário Nova Iorquino dos anos 60 e 70, Patti juntamente com Robert Mapplethorpe, seu primeiro amor que viria a ser um visionário fotográfo e postumamente, inspiração para o pano de fundo de seu livro,  desbravavam a cidade marcada pela contracultura americana. Patti e Robert compartilhavam as mesmas dificuldades de um artista independente e acima de tudo, apoiaram-se constantemente, inclusive quando ele se assumiu homossexual. Patti admite que a homossexualidade era vista por ela de uma maneira equivocada e quando Robert se assumiu ela se deu conta que nada sabia sobre isso.

O relacionamento e a jornada de  Patti e Robert é exposto pela mesma com muita sensibilidade e saudosismo, visto que o impacto dele permanece até hoje em sua vida e arte. O sentimento que se iniciou como um amor juvenil se desenvolveu em uma eterna amizade que tinha a arte como testemunha. “Aprendi a ver com você e nunca faço um verso ou desenho uma curva que não venha do conhecimento que consegui durante nosso valioso tempo juntos”, escreve Patti Smith em um dos trechos de seu livro “Só Garotos” em um ode a Robert nos seus últimos dias de vida assolados pela AIDS no fim dos anos 80. 

Patti Smith e Robert Mapplethorpe no Chelsea Hotel em 1969

Foto: Reprodução El País

Com o tempo, Patti que se via constantemente na sombra de Robert, reflexo do que lhe foi ensinado pelos anos de patriarcado,  criou autoconfiança para ser a representação de sua arte e conquistar seu próprio espaço na comunidade artística. Queria fazer o inesperado. Começou com leituras de poesia fundidas com solos de guitarras, uma verdadeira mescla entre poesia e Rock’n’Roll.  Foram essas apresentações que abriram as portas para Patti à música.

Nas excêntricas aventuras contadas em seu livro, Patti narra sobre as celebridades que cruzaram seu caminho. Uma conversa com Jimi Hendrix na qual ele admite ser muito mais introvertido do que as pessoas imaginam, ajudar Janis Joplin a escrever sua última canção gravada antes de morrer, frequentar o mesmo círculo social que Andy Warhol, entre outras, parecem mais como narrativas à la Forrest Gump mas não,  tudo é contado detalhadamente e vividamente nas páginas de seu livro. 

Seu primeiro álbum e de maior impacto, Horses (1975), marcado pela junção dos acordes de guitarra com as letras poéticas, foi aclamado como um dos 100 melhores álbuns de todos. Aquilo que começou nas recitações de poesia veio a se tornar um projeto muito maior. A obra marca a  passagem entre duas gerações, do rock clássico para o punk e com maestria, Patti conseguiu inserir o reconhecimento que já possuía como poeta e sua paixão por rock, unindo o útil ao agradável. A icônica foto da capa foi tirada por Robert. 

Capa do álbum “Horses”

Foto: Reprodução Rolling Stone

A ocupação como escritora veio tardiamente, em 2010, com a publicação de seu primeiro livro já citado “Só Garotos” e outras obras como “Linha M”, “Devotion”, entre outras. Em uma entrevista à Veja em 2019, Patti conta: “Para mim, escrever é igual a cozinhar. Você pega os ingredientes, coloca num caldeirão, tempera. Depois, adiciona pão, um pouco de arroz e tem sua história. Que pode sair da sua imaginação ou se basear em algo real. Escrevo assim todos os dias.”  Ela constantemente alega que pensa como uma escritora e por ter convivido tanto com músicos sabe que sua forma de pensar é diferente da deles. 

Os talentos dela não acabam  por aí. Seus desenhos também tiveram reconhecimento e foram expostos no Gotham Book Mart, em 1973, e pelo Andy Warhol Museum, em 2002. Juntamente com fotografias e instalações da sua autoria, eles também foram expostos na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain em Paris, em 2008.

Seja nos livros, nas músicas ou nas poesias, Patti Smith autobiografa sobre suas paixões, aventuras e tragédias de uma forma detalhista e sentimental. Não deixando de lado o teor melancólico que cultivou durante seus anos de poesia e mantendo sua personalidade de beatnik que vivia on the edge.